19.3.18

Chegou a altura de os salários começarem a subir?

Sérgio Aníbal e Raquel Martins, in Público on-line

Os primeiros sinais de aceleração nos salários começaram a surgir no ano passado, mas vários factores tornam improvável um regresso a variações nos vencimentos idênticas às registadas antes da crise.

Com o desemprego já ao nível em que se encontrava antes do início da crise financeira internacional e a economia a crescer ao ritmo mais alto desde o início do século, para muitos portugueses há ainda um indicador que, teimosamente, persiste em não acompanhar os novos ventos da retoma: o aumento dos seus salários. Os dados agregados mais recentes, no entanto, trazem alguns sinais de esperança, notando-se uma aceleração dos salários médios praticados na economia portuguesa. Estaremos finalmente a chegar ao momento em que a redução da mão-de-obra disponível e a melhoria das expectativas de negócios das empresas podem começar a pressionar os salários a subir mais rapidamente?

Os últimos números mostram uma mudança ainda lenta. Os dados mais recentes publicados pelo Governo - que resultam da informação relativa às contribuições da Segurança Social – revelam que os portugueses viram os seus salários aumentar mais em 2017 (variação homóloga registada no mês de Abril) do que nos anos anteriores.

O salário médio dos portugueses registou, em termos nominais, um aumento de 1,5% em 2017, quando em 2015 a subida tinha sido de 0,3% e em 2016 de 1%. Em termos reais, isto é, descontando a perda de poder de compra provocada pela inflação, as variações salariais passaram de 0,3% em 2015 para 0,4% em 2016 e 0,6%.

Estes valores não são muito impressionantes, parecendo apontar para uma aceleração muito modesta da média salarial dos portugueses que não altera o cenário de quase estagnação que se tem verificado desde a crise. No entanto, como vários membros do Governo têm feito questão de assinalar, o valor médio dos salários é influenciado pelas novas entradas no mercado de trabalho, que geralmente são feitas com níveis salariais mais baixos.

Numa altura em que o emprego está a crescer bastante (a taxa de desemprego caiu de 10,5% no quarto trimestre de 2016 para 8,1% no quarto trimestre de 2017), poderão ser esses novos salários que mantêm a média em baixa. O ministro do Trabalho, Vieira da Silva, apresentou no Parlamento dados que pretendem mostrar que, retirando da análise essas novas entradas no mercado de trabalho, se regista já uma tendência de aumentos salariais mais forte.
De acordo com os números do Governo, em 2017, os salários dos trabalhadores que se mantiveram empregados entre Abril de 2016 e Abril de 2017 cresceram em média 3,7%. Mais, se se olhar para os trabalhadores que se mantiveram empregados, mas mudaram de posto de trabalho, o aumento do salário médio é ainda mais elevado, de 7,8%.

Uma das explicações para este resultado está certamente na subida que se registou nesse período no salário mínimo nacional, mas mesmo assim, de acordo com os dados do Governo, excluindo os salários mínimos da análise o aumento do salário médio das pessoas que continuaram empregadas foi de 3,3%.

O problema com estes números apresentados pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social é que não são fornecidos dados referentes a anos anteriores que permitam avaliar se se está neste momento a registar uma aceleração na forma como os salários estão a ser actualizados.

Ainda assim, para o economista João Cerejeira, tudo aponta para que se estejam a criar as condições para que se assista a uma subida nos aumentos salariais registados em Portugal. “Vai começar a acontecer, é inevitável. O desemprego mais baixo começa a colocar pressões nas contratações e aumenta o poder reivindicativo dos trabalhadores”, afirma.

Os dados dos custos suportados pelas empresas com salários dão indicações adicionais sobre a forma como isso poderá acontecer. De acordo com o INE, os custos salariais assumidos pelas empresas por cada unidade produzida aumentou 2,4% em 2017, uma aceleração face aos 1,6% de 2016. Dentro do sector privado, foi na indústria que se registou o maior crescimento: 2,6%, contra 1% na construção e 1,4% nos serviços.

“Os dados dos custos laborais do final do ano passado são uma indicação clara de que os salários estão a aumentar. E dentro do sector privado é a indústria que começa a revelar um aumento dos custos por trabalhador mais elevado, o que bate certo com o aumento das exportações”, afirma João Cerejeira.

Para o professor da Universidade do Minho, parte das explicações encontra-se no que diz ser “a quase estagnação da oferta de trabalho em Portugal”. “Há ainda alguma oferta disponível no mercado de trabalho, principalmente no que diz respeito à população mais jovem", mas “existe também um desfasamento entre as qualificações pretendidas pelas empresas e as qualificações que existem disponíveis no mercado de trabalho, o que faz com que alguns empregos não sejam atractivos para a mão-de-obra disponível. Isto é evidente especialmente na indústria, o que faz com que as empresas comecem já a recorrer a mais turnos e a mais horas extraordinárias”.

Combinando isto com o efeito imediato da subida do salário mínimo, fica aberta a porta à possibilidade de variações salariais mais altas em Portugal.

Sindicatos versus patrões
Mas nem tudo é optimismo em relação ao que irá acontecer aos salários das empresas. E quando se fala com os representantes dos trabalhadores e das empresas, percebe-se que, por motivos diferentes, nenhuma das duas partes está convencida de que aquilo a que se irá agora assistir em Portugal é a uma explosão dos níveis salariais dos trabalhadores.
Em declarações ao PÚBLICO, Arménio Carlos lamenta o facto de “o aumento do emprego não se estar a reflectir nos salários” e de se estar a assistir “a uma criação de emprego com base em salários baixos”. Entre os factores por trás destes resultados, o secretário-geral da CGTP destaca, para além da “aposta das entidades patronais na contenção salarial”, “o bloqueio da contratação colectiva”, “a desvalorização de um conjunto de profissões durante os últimos 15 a 20 anos” e “a transição de trabalhadores da indústria para os serviços”.

E, em relação ao efeito da subida do salário mínimo (SMN), assinala que a contratação colectiva bloqueada fez com que as grelhas salariais próximas da remuneração mínima fossem absorvidas. “Nessas grelhas tínhamos trabalhadores do vestuário e do calçado, por exemplo, qualificados e que foram desvalorizados”, defende.

Para o futuro, Arménio Carlos teme que, em vez de aumentos salariais, aquilo que venha a dominar seja uma pressão por parte dos empregadores na contratação colectiva para reduzir os valores atribuídos ao trabalho extraordinário e os dias de descanso, “o que se traduzirá numa redução dos rendimentos dos trabalhadores”. O responsável máximo da CGTP dá o exemplo da Autoeuropa, para destacar “o crescente interesse das empresas em obterem autorização para laboração contínua, institucionalizando-se os sábados e domingos como dias normais de trabalho”.

“Estamos perante um quadro em que não só os salários não foram actualizados em linha com as possibilidades das empresas, como o que se verifica é uma tentativa de dar continuidade à redução dos custos salariais por via da organização do tempo de trabalho”, afirma.

Para Paula Bernardo, secretária-geral adjunta da UGT, a principal razão que justifica a contenção salarial é o bloqueio da negociação colectiva, mas alerta que “os anos de forte austeridade, em que um dos objectivos era promover uma redução dos custos salariais, continuam a ter impacto na economia”.

Olhando para o que está a acontecer no terreno, a dirigente detecta duas tendências. Há sectores, como a agricultura, a metalurgia e algumas áreas do têxtil e do calçado, "onde os próprios empresários têm de subir os salários no segmento dos trabalhadores mais qualificados". Por outro lado, em sectores que têm tido uma expansão muito grande, como o turismo e a restauração, "temos sido confrontados com pedidos de trabalhadores qualificados em que é oferecido pouco mais do que o salário mínimo".

Ainda assim, Paula Bernardo antecipa que, “no momento em que o desemprego e a criação de emprego têm desenvolvimentos positivos e em que existe escassez de recursos humanos em algumas áreas, é natural que haja uma tendência para as empresas aumentarem os níveis salariais”.

Do lado das empresas, António Saraiva tenta passar a mensagem de que a situação que ainda atravessam a economia portuguesa e as suas empresas não permite melhorar as condições salariais a grande velocidade. “Está criada a ideia de que este crescimento económico significa que vivemos no melhor dos mundos, esquecendo que viemos de uma situação muito negativa do passado. Mas aquilo a que se está a assistir é a uma lenta recuperação dos resultados das empresas e mesmo as empresas que conseguem exportar têm margens muito pequenas”, afirma.

Neste cenário, o presidente da CIP mostra-se preocupado com os efeitos que “a falta de mão-de-obra especializada e qualificada” pode vir a ter nas empresas, forçando-as em algumas áreas “a buscar os recursos existentes aumentando o salário de modo a que o trabalhador aceite mudar de emprego”. Para António Saraiva, isso é particularmente visível na metalurgia e na metalomecânica e na indústria eléctrica e electrónica. “Hoje, um bom electricista, um bom soldador ou um bom torneiro mecânico são profissões muito procuradas”.

Para responder a esta situação, o responsável da CIP defende medidas como “a atracção de imigração qualificada e a disponibilização de recursos para os centros de formação protocolares dos vários sectores de actividade”.
Não é de esperar assim que, mesmo perante os sinais mais recentes de aceleração dos salários, se venha a regressar a níveis de crescimento registados no passado. O economista João Cerejeira vê várias razões para que os aumentos salariais sejam menores, desde a substituição das pessoas pela tecnologia em muitas tarefas, o aumento em Portugal da oferta de trabalhadores qualificados, a concorrência directa de países emergentes, a contenção dos salários na função pública e a diminuição da influência dos sindicatos. “No sector do turismo que tem sido responsável por uma parte muito importante da criação de emprego em Portugal nos últimos anos, a presença sindical é extremamente reduzida”, assinala.